Peer... Peer, Peer!
Seu nome tornou-se
lenda por toda Noruega...
Na aldeia de sua juventude,
as pessoas leiloam seus bens,
leiloam também seus sonhos
e os objetos mágicos que foram
sempre fiéis a você nos
momentos incríveis de perigo.
Os mais sensatos insistem que
suas façanhas não passavam de
histórias em conta de sete, contos
de um genial mentiroso!
Há no entanto aqueles – e
já são a maioria – que reviram
os baús da memória e lá encontram
a pele do gato de Dovre que
você vestiu para espantar o Troll;
a cabeça da grande rena que o
levou
acima do braço do mar
através do fiorde,
acima das altas montanhas...
e um velho martelo de Aslak, o ferreiro,
que você usou para bater no diabo;
que você usou para bater no diabo;
o manto invisível...
Sua presença vive entre nós, embora
ninguém mais tenha notícias suas.
Alguns juram que você fora
enforcado, provavelmente pelos
pés.
Não valeria arriscar-se com a cabeça,
dizem, o que aí poderiam
encontrar?
Somente eu, eu
e mais ninguém espera
olhando as montanhas...
Fatigado das minhas viagens
de camelo e táxi
te procuro caminho de casa
nas estrelas
Nossa cabana ainda é a mesma.
Os estranhos chifres de rena
enfeitando a porta, a fechadura
com o segredo para afugentar
os maus espíritos
e a sereia esculpida no teto.
Somente eu, eu
e mais ninguém sabe
que você voltará!
Solvejg, retomo
o velho caminho e já
ouço
sua voz. Paro.
Sua fé desperdiçada por
mim!
Indigno, aventureiro e
infiel
vagabundo. O que sou?
Não trago sequer
presente algum,
apenas poeira, cinzas e...
estrago.
As montanhas resistem, mas
não sou mais aquela jovem.
Todo espelho olha para mim e
não vejo os cabelos, raios de ouro
e sol, meus olhos descoraram
claramente o tom de céu,
falta-me a antiga maciez da pele.
E seu rosto, meu amado, terá
as barbas tecidas em dura neve?
Não sei... não consigo imaginar.
Para mim, você ainda e sempre
terá o vigor da última vez que
o vi... Ou então, quem sabe, Peer,
você viajou no tempo e permanece
o menino mentiroso de Aase.
Cada vez mais perto de
casa,
sinto-me cada vez mais
perdido.
Quase todas as noites,
o vento bate à minha porta...
Penso ser você voltando
no mesmo redemoinho. Vou
atender, sempre fiel, apoiada
nessa bengala dos anos.
Lá dentro,
a janela tremeluz...
Lá fora,
apenas as estrelas.
Solvejg,
voltei!
Peer Gynt, ouço
meu sonho, você a repetir
minhas palavras: voltei,
meu único amor!
Estou perdido!
Não, não mais...
Dê-me sua mão!
Tenho no coração um
enigma:
onde esteve Peer Gynt,
em todo o tempo de
minhas viagens?
Você esteve onde sempre estava.
Em minh’alma,
minha fé, meu amor.
Repouso
meus sonhos
em seu coração...
Repouse
sua cabeça
em meus braços...
* Peter O’Sagae. Peer Gynt – 8. A Canção de Solveig.
Do roteiro original inspirado na música de Edvard Grieg para a peça de Henrik Ibsen. Versos incidentais de Oswald de Andrade. Rádio USP FM, 1996. Noites poéticas, 1997.
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