26 de setembro de 2016

8. A canção de Solveig

 

Peer... Peer, Peer!
Seu nome tornou-se
lenda por toda Noruega...
Na aldeia de sua juventude,
as pessoas leiloam seus bens,
leiloam também seus sonhos
e os objetos mágicos que foram
sempre fiéis a você nos
momentos incríveis de perigo.
Os mais sensatos insistem que
suas façanhas não passavam de
histórias em conta de sete, contos
de um genial mentiroso!

Há no entanto aqueles – e
já são a maioria – que reviram
os baús da memória e lá encontram
a pele do gato de Dovre que
você vestiu para espantar o Troll;
a cabeça da grande rena que o levou
acima do braço do mar
através do fiorde,
acima das altas montanhas...
e um velho martelo de Aslak, o ferreiro,
que você usou para bater no diabo;
o manto invisível...

Sua presença vive entre nós, embora
ninguém mais tenha notícias suas.

Alguns juram que você fora
enforcado, provavelmente pelos pés.
Não valeria arriscar-se com a cabeça,
dizem, o que aí poderiam encontrar?

Somente eu, eu
e mais ninguém espera
olhando as montanhas...

Fatigado das minhas viagens
de camelo e táxi
te procuro caminho de casa
nas estrelas

Nossa cabana ainda é a mesma.
Os estranhos chifres de rena
enfeitando a porta, a fechadura
com o segredo para afugentar
os maus espíritos
e a sereia esculpida no teto.

Somente eu, eu
e mais ninguém sabe
que você voltará!

Solvejg, retomo
o velho caminho e já ouço
sua voz. Paro.

Sua fé desperdiçada por mim!

Indigno, aventureiro e infiel
vagabundo. O que sou?
Não trago sequer presente algum,
apenas poeira, cinzas e... estrago.

As montanhas resistem, mas
não sou mais aquela jovem.
Todo espelho olha para mim e
não vejo os cabelos, raios de ouro
e sol, meus olhos descoraram
claramente o tom de céu,
falta-me a antiga maciez da pele.

E seu rosto, meu amado, terá
as barbas tecidas em dura neve?
Não sei... não consigo imaginar.
Para mim, você ainda e sempre
terá o vigor da última vez que
o vi... Ou então, quem sabe, Peer,
você viajou no tempo e permanece
o menino mentiroso de Aase.

Cada vez mais perto de casa,
sinto-me cada vez mais perdido.

Quase todas as noites,
o vento bate à minha porta...
Penso ser você voltando
no mesmo redemoinho. Vou
atender, sempre fiel, apoiada
nessa bengala dos anos.

Lá dentro,
a janela tremeluz...
Lá fora,
apenas as estrelas.


Solvejg,
voltei!
Peer Gynt, ouço
meu sonho, você a repetir
minhas palavras: voltei,
meu único amor!

Estou perdido!
Não, não mais...
Dê-me sua mão!

Tenho no coração um enigma:
onde esteve Peer Gynt,
em todo o tempo de minhas viagens?

Você esteve onde sempre estava.
Em minh’alma,
minha fé, meu amor.



Repouso
meus sonhos
em seu coração...

Repouse
sua cabeça
em meus braços...







* Peter O’Sagae. Peer Gynt – 8. A Canção de Solveig.
Do roteiro original inspirado na música de Edvard Grieg para a peça de Henrik Ibsen. Versos incidentais de Oswald de Andrade. Rádio USP FM, 1996. Noites poéticas, 1997.

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