Durante o dia, todos mercadejavam. Cossacos, judeus, chineses, turcos, tártaros, fazendeiros, trabalhadores e artistas... Gado, tecidos, abóbora, cereais, sorte e alegria. Era bom encontrar os amigos, vender o que tinham, comprar o que não tinham. Na hora do sol posto, os viajantes trocavam comida e bebida. Iam ficando à volta do fogo até o último se calar, quando o cansaço e a preguiça desciam. Então acomodavam-se como dava.
Gritzko remoía as conversas que ouviu.
Ninguém viu por onde viera o cigano. Com voz rouca e turva, saudou a todos com o sorriso escondido atrás de espesso bigode. Escolheu um lugar, sentou-se, bebeu em confraternização. Mais ouviu do que falou e certo que nada falaria, se não fosse um dos velhos pedir que desse um conto a todos.
— Não sou desse mundo de inventar coisas extraordinárias, das poucas coisas que me foram confiadas, sei da história dessas encruzilhadas... Sorotchinsky é uma terra alegre, mas também amaldiçoada!
Ninguém se lembrava, muito menos fazia questão de lembrar de maldições em torno da feira... Os homens se entreolharam silenciosos e desconfiados. Que segredo somente o cigano conheceria? O momento não podia ser mais exato para descobertas. O velho fez um meneio com a cabeça, como era costume, consentimento para a história ser tirada.
* * *
Muito tempo atrás, o próprio diabo apareceu pelas estradas para Sorotchinsky e procurou uma mulher para lavar sua camisa. De um lado para outro, nenhuma, jovem ou velha, se comprometia com o trabalho. Fechavam a cara e batiam a janela nas fuças do forasteiro. Já desconfiavam que fosse o diabo. E ele procurou, procurou, oferecia moedas de ouro em troca de roupa limpa. Mesmo assim, ninguém queria trato com o tinhoso!
Ninguém, não. Uma jovem se apresentou. Não era lavadeira de profissão, era preguiçosa e tinha consigo apenas ambição de um trabalho fácil. Logo, julgou que nada de mal poderia lhe acontecer ao prestar o serviço e lá foi ela tomar para si aquela roupa vermelha: lavou, secou e passou... foi quando ela viu!
Que azar Deus lhe rogou, nem sei, pois faltava uma das mangas da camisa do diabo! A moça desesperou e saiu a procurar a manga vermelha em tudo quanto era canto da casa, revirou feno e capim, bodega, adega, esvaziou barris e baús, deitou abaixo o que estava acima, jogou pro alto muitas coisas. Até no esterco ela meteu a mão, dizem... mas nada encontrou. Virou toda a feira que era menor antigamente. Pensou, poderia cortar qualquer retalho de pano das suas roupas para fazer uma manga nova, mas não tinha jeito, nem tempo...
A sombra do diabo despontou do oeste. O tinhoso ficou esperando a entrega na encruzilhada. A moça, quando a preguiça dá inteligência, a moça fez um embrulho com muitos nós apertados e foi devolver a camisa empenhada... Como prometido, o diabo lhe pagou em pesadas moedas de ouro e partiu, sem suspeitar da manga desfalcada, nem nada.
A jovem que se fez lavadeira pegou estrada e nunca mais voltou para Sorotchinsky, mas o diabo, sim! Todos os anos, quando acontece a feira, ele aparece na forma de um porco na mesma encruzilhada. Com entra e sai de gente, o encarnado pretende encontrar a moça ou seja lá quem for para recuperar a maldita manga da camisa empenhada.
Deu no que deu, e todo cuidado é pouco: a feira tem crescido, já ninguém sabe qual foi a primeira encruzilhada de Sorotchinsky para evitar o diabo...
* * *
Gritzko tentou dormir. Mas não havia jeito de ficar quieto. Vai que o tinhoso resolvesse tentar algum cristão. Por sorte, a fogueira estava acesa e, embora atraísse os insetos, talvez afugentasse os maus pensamentos... No entanto, em meio as labaredas, sombras estranhas e sinistras dançavam.
* Peter O'Sagae. Matriouchka: caixa de histórias da velha Rússia, 1997.
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